Objecções ao mercado livre

Objecções ao mercado livre
A primeira objecção sustenta que, para quem tem alternativas limitadas, o mercado livre não é assim tão livre. Vejamos um caso extremo: um sem-abrigo que dorme debaixo de uma ponte pode ter escolhido, de certa forma, fazê-lo; mas não podemos, sem mais, considerar que a sua escolha foi livre. Para saber se a escolha dele reflecte uma preferência por dormir ao ar livre ou uma incapacidade de pagar um apartamento, temos de saber algumas coisas sobre as circunstâncias dele. Fá-lo por opção própria ou por necessidade? A mesma pergunta pode ser feita em relação às escolhas de mercado em geral, incluindo em relação às escolhas que as pessoas fazem quando aceitam diversos trabalhos. Fazem-no por opção ou por necessidade?
A segunda objecção relaciona-se com as noções de virtude cívica e de bem comum. Uma das declarações mais famosas do argumento cívico foi proferida por Jean-Jacques Rousseau, o teórico político iluminista do século XVIII. Ele afirma que transformar um dever cívico num bem comercializável não aumenta a liberdade, muito pelo contrário, debilita-a. A forte noção de cidadania de Rousseau, e a sua visão prudente dos mercados, podem parecer distantes dos pressupostos políticos dos dias de hoje.
Temos tendência para considerar o Estado, com as suas leis e regulamentos obrigatórios, como o domínio da força, e os mercados, com as suas transacções voluntárias, como o domínio da liberdade. Rousseau diria que é exactamente o contrário”.

Excerto de:
Jorge Nunes Barbosa. “Temas de Filosofia.” JB, 2012. iBooks.

A Escola não pode adormecer

A Escola não pode adormecer VII

13/01/2014, 19:27byJorge Barbosa

“Chegados aqui, é oportuno formular uma primeira conclusão: o contexto escolar sobrevive mal à gestão do conflito que lhe é próprio, o de conservar inovando, mas o núcleo central do seu problema encontra-se sobretudo na disfuncionalidade da organização, espartilhada num conflito insanável entre o individualismo e a burocracia, entre a destruição das memórias e das histórias de vida e a formação de  pessoas, entre a forma sem substância e o ideal de bem fazer. O bem que a escola possa fazer não pode ficar no domínio das intenções e da justificação simples do mal-estar que gera em alunos e professores: a ideia de que é por bem que a escola faz o mal é uma justificação que só serve para adormecer crianças. A generalização de uma postura desorganizada dos alunos na sala de aula é só a manifestação menos grave, porque visível e denunciadora do mal-estar, da disfuncionalidade da escola.”



Excerto de: Jorge Nunes Barbosa. “Indisciplina e Disfuncionalidade.” JB, 2012. iBooks. https://itun.es/pt/4jN9D.l

JORGE BARBOSA

W James

“I know that you, ladies and gentlemen, have a philosophy, each and all of you, and that the most interesting and important thing about you is the way in which it determines the perspective in your several worlds. You know the same of me. And yet I confess to a certain tremor at the audacity of the enterprise which I am about to begin. For the philosophy which is so important in each of us is not a technical matter; it is our more or less dumb sense of what life honestly and deeply means. It is only partly got from books; it is our individual way of just seeing and feeling the total push and pressure of the cosmos”

Excerto de: William James. “Pragmatism.” iBooks. https://itun.es/pt/Dym3D.l

JORGE BARBOSA

Os Banqueiros e o Bolhão

Os Banqueiros e o Bolhão

 

Sobre o recuo do Governo no aumento da contribuição dos trabalhadores para a Segurança Social e o corte da Taxa Social Única (TSU) para as empresas, Ulrich (presidente do BPI) considerou que revelou “bom senso” do Executivo, apesar dos eventuais “méritos técnicos” da medida. Segundo ele, “o mérito técnico” tinha a ver com o facto de as empresas já estarem a transferir o valor do trabalho para o capital há muito tempo, e que a única diferença tinha a ver com o facto de agora essa transferência ser patrocinada pelo governo. Deu mesmo como exemplo a política salarial do seu Banco: foram reduzidos os salários dos funcionários; “e onde ficou o dinheiro poupado? no Banco, isto é, nos acionistas”. Olha a novidade!

Ele e o presidente do BES mostraram-se ainda favoráveis à privatização da Caixa Geral de Depósitos (CGD). No entanto, enquanto Ricardo Salgado defendeu que esta deve ser parcial, mantendo o Estado o controlo do banco, já Fernando Ulrich (do BPI) considerou que a longo prazo esta deve ser alienada na totalidade a privados. No mesmo sentido falou o presidente do BIC que argumentou brilhantemente que uma vez que a CGD só financia a alta finança, tal como os bancos privados, então o melhor seria que fosse privatizado, porque sendo público, isso é errado e, sendo privado, isso está certo. Não fosse uma questão suscetível de criar algumas confusões, e eu utilizaria este argumento para que alunos do ensino secundário detetassem a burrice que contém. Quem sabe? Talvez faça isso mesmo.
Na verdade, o que os banqueiros estão a evidenciar é que, evitando o vernáculo das vendedoras do Bolhão no uso da língua, recorrem ao vernáculo dos argumentos, que, no caso das ditas vendedoras, é limpo e honesto. Prefiro pessoas que utilizam palavrões para dizer coisas razoáveis, a pessoas que utilizam uma linguagem polida para esconder argumentos porcos.
Senhores banqueiros, o facto de o capital estar a explorar o trabalho, a acreditar no exemplo sugestivo e assumido do presidente do BPI a respeito da política do seu Banco, não quer dizer que isso esteja correto; muito menos quer dizer que o Estado deva ser cúmplice dessa coisa. Por outro lado, senhores banqueiros, se a CGD não está a financiar as pequenas e médias empresas, como devia, e a economia em geral, como tem de ser, isso não significa que deva mudar de estatuto para continuar a fazer o mesmo; pelo contrário, deve fazer diferente, justamente para que cumpra o seu estatuto. Como disse, qualquer vendedora do Bolhão, por muitos palavrões que diga, é mais honesta e inteligente nos argumentos a que recorre.
Os senhores banqueiros, com esta crise, estão a mostrar que afinal usam argumentos tão indigentes como qualquer pacóvio numa conversa de tasca. Só que usam palavras eruditas para dizer coisas saloias.
Na verdade, contra o governo, o povo pode e deve, em certos casos, fazer manifestações de protesto; há mesmo situações em que se pode justificar a desobediência civil; pode mesmo acontecer que, no limite, os portugueses decidam votar em branco nas eleições, uma vez que os dirigentes partidários se estão a afastar do povo que deveriam respeitar. Mas, quando se trata do poder financeiro privado, a única solução é mesmo a de retirar o dinheiro dos bancos, dirigidos por gente menos bem preparada para viver numa situação de dificuldade, do que as vendedoras do Bolhão,